[ESPECIAL OSCAR 2013] “O Lado Bom da Vida”

“[…] acima de tudo, O Lado Bom da Vida é um filme agradável […]”

por Gabriel George Martins

Indicado a 8 Oscars: Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Ator, Melhor Atriz, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Edição

imagePersonagens desajustadas. Subúrbios estadunidenses. Relações familiares. O cinema em geral – público e crítica – sempre fez questão de consagrar esses temas, projetando à fama alguns nomes (antes de comandar 007 – Operação Skyfall, Sam Mendes foi o responsável pelo brilhante Beleza Americana) ou trazendo de volta outros ídolos já bem estabelecidos. Amalgamar duas dessas abordagens, ou mesmo as três, pode resultar em algo inovador, sem precedentes, ou em uma produção formulaica.

A princípio, O Lado Bom da Vida (EUA, 122 min.) se aproxima mais do primeiro caso: a edição dinâmica, cheia de cortes rápidos e inequívocos, os diálogos ágeis e precisos e a ambientação perfeita dão o tom do 1º ato do filme. Conforme a película avança, porém, suas tramas se desenvolvem de forma pouco ousada, e o novo longa de David O. Russell (O Vencedor) quase adquire o aspecto formulaico que deveria ser evitado, ainda que seu miolo contenha alguns destaques.

imageCom roteiro escrito pelo próprio O. Russell, adaptado do romance de mesmo nome de Matthew Quick (o qual eu li), a obra nos apresenta, já nas primeiras sequências dentro de um hospital psiquiátrico, o ex-professor Pat Solitano (Bradley Cooper), que, após deixar o referido hospital depois de oito meses internado – um período que leva anos no livro -, procura recuperar a vida que tinha antes. Em meio aos exercícios físicos regulares, Pat tenta reconquistar sua esposa, lidar com seus pais (Robert De Niro e Jacki Weaver), com seu terapeuta (Anupam Kher) e com os jogos dos Eagles. No meio disso tudo, surge Tiffany (Jennifer Lawrence), uma mulher que também sofre de prolemas mentais e que atrai a simpatia de Pat. Aí está o início de uma amizade que promete mexer com ambos.

Antes de mais nada, é preciso dizer que, acima de tudo, O Lado Bom da Vida é um filme agradável, quase um feel good, não fosse a camada de drama que a reveste. Entretanto, aqui falamos de uma comédia que, apesar de seus momentos sérios, não abre mão de doses frequentes de comicidade e situações impagáveis – como uma bizarra conversa sobre remédios tarja preta entre os protagonistas durante um jantar. Essa mesma conversa, aliás, prova a imensa identificação do casal e nos mostra o quão à vontade estão Cooper e Lawrence em seus papéis.

imageOutra química que dá certo é estabelecida entre Cooper e De Niro. As cenas que envolvem os dois dentro de sua casa são sempre pontuadas por discussões amigáveis, brigas barulhentas ou agressões físicas, situações em que a câmera na mão é um recurso certeiro utilizado pelo diretor no intuito de aproximar essas çenas do espectador, que pode sentir-se incluído nelas assim como se sente incluído nas cenas de sua própria família, na vida real.

A obra tem uma moral implícita: a de que não importa se falamos de uma pessoa normal ou de alguém castigado por problemas psicológicos, todos têm algum tipo de transtorno a ser encarado e resolvido, em maior ou menos escala. O pai de Pat é viciado em apostas e tem um tipo de TOC; Ronnie (John Ortiz), seu amigo, beira o desespero quando o assunto é sua vida conjugal; Danny (Chris Tucker, ótimo), seu melhor amigo, tenta a todo custo fugir de uma vez por todas do hospital psiquiátrico. Simultaneamente, a essência de queda e superação exalada pela narrativa é o fator que denota a resolução desses transtornos – e, assim, há um certo diálogo com outro filme sobre desajustados também ambientado na Filadélfia: o clássico Rocky – Um Lutador. Em O Vencedor, O. Russell também empregou pontes entre seu trabalho e o longa de 1976; em O Lado Bom da Vida (filme) essas referências estão mais diluídas, embora presentes. Por outro lado, em O Lado Bom da Vida (livro) isso fica claro. Guardadas as devidas proporções no que concerne à diferença entre mídias, a versão literária da história aposta mais nessa relação – chegando ao ponto de o narrador sugerir ao leitor que este leia um capítulo inteiro da obra ouvindo Gonna Fly Now, clássico tema de Rocky Balboa (obs.: é claro que o redator desta crítica fez isso).

imageSe as atuações de Cooper, Lawrence e De Niro estão bastante satisfatórias, é difícil afirmar isso do desempenho de Jacki Weaver, afinal, a atriz parece muito apagada no longa, tendo pouquíssimos instantes de destaque – em parte por uma deficiência no roteiro, em parte pela mesma edição dinâmica que soava como um atrativo. E aí começam os problemas do filme.

O estilo de montagem funciona no 1º e 2º atos. No 3º, contudo, ela termina por trair a obra. Ocorre uma simplificação estúpida de cenas, com cortes apressados demais até para o formato estabelecido desde o início da projeção – as cenas poderiam ser muito melhor desenvolvidas, ao custo da adição de um ou dois minutos. O diálogo final – não revelarei as circunstâncias -, por exemplo, revela-se fugaz e tolo; mais silêncios e menos cortes poderiam imagedespertar mais sensações no público e talvez até estabelecer alguma tensão por seu desfecho.

A partir de certo momento, deixa de haver aprofundamento na doença de Pat – de uma hora para outra ela parece não existir mais. A relação dele com outras personagens, sobretudo Cliff, o terapeuta, deixa de ser explorada.

Além disso, o roteiro apresenta clichês bobos, capazes de diminuir em algum ponto a sagacidade inquebrantável da película. Coincidências convenientes em momentos cruciais e descobertas aterradoras por meio de ligeiros vislumbres – com direito até a close sugestivo no rosto da personagem – não faltarão até o final.

Todavia, há de se concluir que o resultado disso tudo é adequado. As falhas do 3º ato, se se repetissem pouco mais, teriam afundado o filme; por sorte – muita, muita sorte -, não é o que acontece. As indicações aos prêmios da Academia dividem-se entre as justas (Ator, Atriz, Ator Coadjuvante), as injustas (Filme, Roteiro Adaptado, Atriz Coadjuvante), e as que renderiam horas de discussão (Direção, Edição). De qualquer forma, aqui há homogeneidade suficiente para divertir e encantar a todos que procuram aproveitar o lado bom da vida.

7/10

O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook, 2012)
Dirigido por: David O. Russell.
Roteiro por: David O. Russell, baseado no livro homônimo de Matthew Quick.
Elenco: Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Robert De Niro, Jacki Weaver e Chris Tucker.

[ESPECIAL OSCAR 2013] “Django Livre”.

“É uma obra com vida própria e uma experiência cinematográfica maravilhosa.”

por Luan Erick Silva de Oliveira

Indicado a 5 Oscars: Melhor Filme, Melhor Roteiro Original, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Edição de Som, Melhor Fotografia.

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Depois de realizar Bastardos Inglórios, sua autoproclamada obra-prima, Quentin Tarantino nos oferece um filme intimista e relativamente contido do ponto de vista “Tarantinesco”. Aqui, o diretor abre mão do seu habitual malabarismo narrativo, a qual os espectadores estão acostumados, para contar uma história simples. Não que os fãs devam se preocupar com a ausência de outras características marcantes do cineasta como a violência exagerada ou os travellings circulares com a câmera. Django Livre, felizmente, se revela mais do que um exercício de estilo. É uma obra com vida própria e uma experiência cinematográfica maravilhosa.

A narrativa nos apresenta Dr. King Schultz (vivido brilhantemente por Christoph Waltz), um dentista alemão aposentado que se torna caçador de recompensas e que acaba fazendo uma parceria improvável com o escravo Django (Jamie Foxx). Em busca de três irmãos foragidos, Schultz o liberta e o conduz numa jornada para que o personagem-título reconheça os criminosos. Mas Django tem suas próprias ambições envolvendo o resgate de sua esposa Broomhilda (Kerry Washington) das garras do malévolo Calvin Candie (Leonardo DiCaprio, carregado no overacting como discutirei adiante). Evocando com destreza o ritmo que acompanhará todo o filme já na cena inicial, desde a explosão da violência, aos toques pontuais de humor e os ótimos diálogos que permeiam a história em que somos inseridos.

Tecnicamente irrepreensível, a montagem é dinâmica e permite a compreensão da geografia das cenas de ação além de estabelecer com fluidez a passagem de tempo. A direção de arte e os figurinos cumprem bem o seu papel, como já é de se esperar numa produção de época. Extremamente agradável aos olhos, a fotografia da película (justamente indicada ao Oscar) nos presenteia com cenas visualmente belas como os diversos planos em que os personagens cavalgam por paisagens e outras arrebatadoras como o embate mortal entre dois escravos. A utilização da câmera lenta é eficaz em várias passagens, principalmente aquela na qual o protagonista reencontra sua amada depois de um longo tempo em que ficaram separados. Mas não pense que Tarantino se rende ao melodrama desta vez. Longe disso, ele ainda prefere conquistar a empatia do espectador sem necessitar de recursos artificiais. E é curioso notar como a trilha sonora funciona mesmo saltando de temas tradicionais do gênero faroeste ao hip-hop dos dias de hoje e também à voz inconfundível de Johnny Cash.

O roteiro é linear demais para os padrões do roteirista que revitalizou a forma de se contar histórias no Cinema com Pulp Fiction. Ou seja, Tarantino entrega um trabalho não tão inspirado neste sentido, mas jamais deixa de soar original em qualquer momento. As únicas ressalvas ficam por conta da extensão desnecessária do terceiro ato e ao excesso de confiança que certos personagens precisam depositar para a trama seguir nos minutos finais da projeção. Mas isto são pecadilhos num filme que traz cenas cômicas como a que envolve vários capuzes brancos e tem a participação de Jonah Hill com tiroteios tensos e bem orquestrados como aquele que acontece em Candyland.

Quanto às atuações, pode se dizer que são corretas. Foxx e Washington pouco tem a fazer com seus papéis unidimensionais, apesar do primeiro se sair muito bem quando tem a oportunidade. Já DiCaprio cria um vilão repugnante, mas se entrega ao exagero no tom de voz e nos maneirismos em alguns instantes e é uma pena constatar seu esforço incessante apenas para ganhar indicações/prêmios. Eis que Waltz rouba a cena novamente, agora de maneira mais discreta do que em sua parceria anterior com Tarantino. Concebendo o personagem mais desenvolvido e obtendo um arco dramático satisfatório, justificando sua segunda indicação ao Oscar. Samuel L. Jackson também tem seus momentos e demonstra que ainda pode ter boas atuações, basta escolher melhor seus projetos.

O monólogo racista de Calvin Candie é eficiente no contexto narrativo, mas empalidece se comparado àquele igualmente preconceituoso articulado pelo Coronel Hans Landa em Bastardos Inglórios, só mudando o alvo. A diferença é que as palavras não são tão inspiradas quanto em outros momentos da filmografia de Tarantino: a análise do Super-Homem feita no segundo volume de Kill Bill ou a explicação para Like a Virgin em Cães de Aluguel, só para citar dois exemplos. Apesar disso, Tarantino encaixa muito bem suas típicas referências à Sétima Arte e ainda encontra tempo para divertir a plateia com sua presença na tela, fazendo uma ponta.

As indicações e o sucesso do filme comprovam sua competência, mesmo com a influência suspeita que os produtores Weinstein tenham sobre o Oscar, o longa tem seus méritos. No fim das contas, Django Livre é apenas mais uma história bem contada. A diferença é que o contador é um dos mestres do Cinema Contemporâneo.

9/10

Django Livre (Django Unchained, 2012)

Dirigido por: Quentin Tarantino.

Roteiro por: Quentin Tarantino.

Elenco: Jamie Foxx, Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio, Kerry Washington e Samuel L. Jackson.

[ESPECIAL OSCAR 2013] “Argo”.

“Acima de tudo, um filme seguro de si.”

por Bruno Albuquerque de Almeida

Indicado a 7 Oscars: Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Edição, Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Edição de Som, Melhor Mixagem de Som.

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Lembro-me que, há alguns meses, quando Argo estreou nos cinemas daqui eu falei para um amigo que estava “afim de ver o novo filme do Ben Affleck”. Meu amigo começou a rir, e eu perguntei o porque. “Tu realmente tá ansioso pra ver uma nova atuação do Affleck, ainda mais no cinema?”, ele respondeu. E, de fato, os mais recentes trabalhos do ator foram extremamente decepcionantes – principalmente por ele ser dotado de uma inexpressão gigantesca. Porém, foi com grande surpresa que conferi Argo – e, sim: além de atuar bem, Ben Affleck demonstra uma segurança incrível na direção de seu novo filme.

O filme conta uma história bastante simples: Em 1979, militantes chegam à embaixada americana em Teerã e fazem 52 reféns americanos. Mas, no meio do caos, seis americanos encontram uma maneira de fugir e se refugiar na casa do embaixador canadense. Sabendo que apenas uma questão de tempo até que os seis sejam encontrados e assassinados, um especialista em resgate da CIA, Tony Mendez (interpretado por Affleck) aparece com um plano arriscado para tira-los do país. Entretanto, é com esse simples enredo que Affleck encontra espaço para demonstrar seu talento como diretor.

Acima de tudo, Argo é um filme extremamente simpático. Sejam pelos seus personagens que transbordam alegria, sejam pelos atores que os interpretam. Não é a toa que a frase “Argo, go fuck yourself!” fica soando na sua cabeça após o término do filme. Os atores estão maravilhosos – e, sim, incluo o próprio Ben Affleck nessa categoria. Apresentando um Tony Mendez seguro de si e ao mesmo tempo dedicado e preocupado com o sucesso da operação, Affleck acaba por se encaixar perfeitamente no papel, ao transparecer frieza durante o seu trabalho e carinho quando está interagindo com a sua família. John Goodman é um verdadeiro camaleão: em Argo, ele mais uma vez desaparece por trás de seu personagem, conferindo-lhe sempre carisma no que faz – assim como Alan Arkin, que faz ao lado de Goodman uma dupla sensacional. Bryan Cranston também é outro destaque no filme, ao, assim como Affleck, conferir um personagem seguro e preocupado com o desenvolvimento da missão “Argo”.

A montagem do filme é extremamente eficiente: ao se mostrar bastante movimentada durante os estágios iniciais do plano de resgate dos reféns – remetendo a pressa que o governo dos Estados Unidos tinha em salvar os cidadãos americanos em terreno inimigo -, o filme acaba por criar um estilo próprio. A fotografia é certeira, principalmente por não apostar no óbvio. Em filmes de época, geralmente se é aplicado um filtro na imagem que a fornece tons em sépia – como pode ser visto em Capitão América – O Primeiro Vingador, por exemplo. Em Argo, isso é descartado, o que ajuda bastante na ambientação do espectador naquele mundo. Ele é tratado como o real, o real naquele exato momento, vitalizando assim a sua experiência cinematográfica fornecida ao público.

Porém, Argo sofre de alguns problemas. Seja pela tensão um tanto fora da realidade, característica que o filme tanto se preocupa, em sua conclusão, seja pela falta de aprofundamento de determinados personagens. Por mais que sejam apenas 6 reféns – e não 11 anões, como em O Hobbit -, não conseguimos distingui-los uns dos outros. Nenhum é aprofundado – além do que agradece a Tony Mendez por ele os terem salvo. Perceba que nem ao menos me lembrei do nome do refém que é “melhor” aprofundado pelo roteiro. Já o clímax do filme apresenta-se artificial ao ponto de estar gerando suspenses e coincidências que se chocam com as “leis” da realidade, o que chega a incomodar um bocado.

Incluindo nos créditos fotos que ajudaram a direção de arte do filme em ser fiel ao que realmente aconteceu, Argo sofre de certos problemas, mas ganha o espectador pela sua simplicidade e simpatia. Mas, definitivamente, não merecia ser indicado a tantos Oscars – e, muito menos, ser o favorito do ano.

8/10

Argo (Argo, 2012)

Dirigido por: Ben Affleck.

Roteiro por: Chris Terrio, baseado no artigo “The Great Escape”, de Joshuah Bearman.

Elenco: Ben Affleck, Bryan Cranston, John Goodman, Alan Arkin e Victor Garber.

Ps: peguei a sinopse lá no Cinema Em Cena.

[ESPECIAL OSCAR 2013] “O Mestre”

“O Mestre é um filme de ataque, a todos.”

por João Lucas Almeida

Indicado a 3 Oscars: Melhor Ator, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Atriz Coadjuvante

images (1)O Mestre é um filme de ataque, a todos. Nele, a tranquilidade é algo tão frágil quanto um preconceito ou um erro de raciocínio; justamente por isso, aliás. Numa atmosfera onde a irracionalidade exerce papel-chave para todos os envolvidos, não são raros o conflito e a explosão. É assim que o filme funciona, confrontando e explodindo, até deixar claro o quanto a alienação e sua pregação são abomináveis.

Com isso, o filme, dirigido e roteirizado por Paul Thomas Anderson (Sangue Negro), revela uma narrativa cuidadosa quanto à progressão dos interesses de seus personagens. Nele, Joaquin Phoenix interpreta Freddie Queel, um combatente da Segunda Guerra Mundial que ao voltar para os Estados Unidos, nervoso e traumatizado, não consegue restabelecer-se à “vida padrão” americana. Anos depois, já alcoólatra e só, Freddie foge de seus conflitos e encontra em Lancaster Dodd (Phillip Seymour Hoffman), o Mestre, e em seu método de “sarar as feridas do tempo e das vidas passadas”, a Causa, uma esperança de conforto. Ele é acolhido pela família de Dodd e acompanha a execução e a popularização da Causa, que acaba se revelando bem similar às doutrinações de seitas religiosas. Então, claramente alienado, passa a conviver com o fanatismo e suas consequências.  Assim como com os conflitos com os membros da família, como Peggy (Amy Adams), a esposa e, talvez, a mais fanática pelo método.

A partir daí, Freddie é cada vez mais exposto à realidade da alienação e da manipulação. Momento propício para Anderson apresentar os movimentos de Lancaster e do protagonista separadamente, mas sempre causando resposta ao outro; por exemplo, a maneira como Freddie passa a negar diversos aspectos de seu comportamento anterior ao seu contato com o Mestre. A química entre os dois é impressionante. Eles se temem e se respeitam, mesmo que indignamente, como nenhum dos outros personagens. Ilustrando, assim, uma interessante relação baseada na liderança e no fanatismo.

Afinal, tais elementos são recorrentes em outros aspectos da obra. Percebe-se como os ótimos aspectos técnicos do filme utilizam-se especialmente das cores azul e vermelho, cores que não só funcionam para simbolizar, nos seguidores da Causa, o poder e a alienação, mas também remetem à bandeira americana, um outro símbolo de autoridade, liderança e, muitas vezes,  de fanatismo

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Grande parte do impacto do filme está ligada à artificialidade proposital dos personagens e dos cenários, sempre embalados por uma trilha sonora destoante. Momentos como os súbitos ataques de fúria de Lancaster, a impassível masturbação de Peggy em seu marido e o exagerado “método de cura” empenhado em Freddy na segunda metade do filme são todos exemplos da contínua busca de poder dos principais membros da Causa, os quais nunca parecem sinceros quanto suas intenções. Nessa atmosfera é onde surgem as grandes proezas das atuações. Phoenix, ao apresentar um Freddie nervoso e traumatizado, surge constante e, mesmo diante de muitas mudanças, consegue mostrar as sequelas de abalos passados. É notável, desde os minutos iniciais, a maneira de Phoenix demonstrar a natureza insegura e tensa de seu personagem com uma especial atenção a pequenos detalhes como, por exemplo, sua postura, suas risadas atrasadas e suas reações lentas e contidas, exceto nas explosivas; seu timing é invejável. Phillip Seymour Hoffman mostra-se com um extremo controle de suas expressões e de suas progressões, especialmente nas já mencionadas fúrias. Amy Adams aparece fria, interesseira e inquieta, com olhares críticos capazes de amedrontar qualquer um.

O filme finaliza com um ótimo estudo de personagem mostrando a libertação de Freddie, que não perfeita, mas é bem melhor do que a realidade da alienação. Ele encontra em si o próprio meio de encontrar conforto. Após não conseguir combater seus traumas e deixar-se levar pelo primeiro objeto exterior a “apontar a ferida”, o protagonista se auto-afirma e consolida o combate adiante até desmontar-se por completo para construir-se melhor; ação inerente ao humano, diferente da falsa “cura” pregada por várias doutrinas tão picaretas quanto à de Lancaster.

10/10

O Mestre (The Master, 2012)

                                                                                     Dirigido por: Paul Thomas Anderson.

                                                                                      Roteiro por: Paul Thomas Anderson.

                         Elenco: Joaquin Phoenix, Phillip Seymour Hoffman, Amy Adams, Laura Dern.

[ESPECIAL OSCAR 2013] “Amor”

“Todos somos Annes e Georges.”

por Gabriel George Martins

Indicado a 5 Oscars: Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Atriz, Melhor Roteiro Original e Melhor Filme Estrangeiro

imageEsta crítica poderia ser iniciada de uma forma ortodoxa e chamativa; preferi, entretanto, abri-la com a exposição de um curioso fato: a sessão de Amor (França/Alemanha/Áustria, 2012) tomada por este que vos escreve estava praticamente cheia. Interessante mesmo, porém, foi notar que a média da idade das pessoas dessa sessão batia na casa dos 65 anos.

Isso indica que o longa foi destinado unicamente a este nicho de público, os idosos? A resposta é: de modo algum. O novo filme de Michael Haneke (A Fita Branca) – cujo título pode ludibriar os mais desavisados – é universal em sua temática. E ela diz respeito a todos nós justamente por tratar da sobrevivência do amor sob a perspectiva do tempo e da morte.

O belo e trágico conto de Haneke tem princípio com a invasão de um apartamento por uma equipe de policiais. O recinto está aparentemente vazio, e as portas todas estão fechadas. Uma dessas portas chama a atenção do grupo – por ter suas beiradas cobertas com fita adesiva – e acaba sendo derrubada logo em seguida. É, de fato, um dormitório, e dentro dele os policiais encontram o cadáver de uma mulher idosa, rodeado por flores. Então um corte seco apresenta-nos o título do longa em um fundo negro. Não poderia ser mais apropriado, afinal, que outro sentimento senão o amor faria com que alguém se desse ao trabalho de enfeitar a cena de uma morte com flores em arranjo?

A partir daí, conhecemos a história por trás do ocorrido: Georges (Jean-Louis Trintignant, de Z e O Conformista) e Anne (Emmanuelle Riva, de Hiroshima, Meu Amor) são aposentados que desfrutam normalmente de sua vida conjugal. Ambos são profundos apreciadores de arte, e costumavam ministrar aulas de música. Certo dia, enquanto tomam café-da-manhã, Anne sofre um AVC, de modo que o lado direito de seu corpo fica paralisado. Georges sente-se na obrigação de cuidar daquela a quem prometeu acompanhar na saúde e na doença, e passa a atuar como protetor e, ocasionalmente, enfermeiro de sua esposa – cujas condições físicas se deterioram mais e mais, numa espiral de sofrimento que a muitos pode lembrar o melancólico Menina de Ouro.

imageNo entanto, se na obra de Clint Eastwood a clara intenção passada – tanto pelo roteiro, quanto pela direção – é a de emocionar e produzir lágrimas em torrentes infindáveis, aqui, no longa de 126 minutos, o propósito é de fazer contemplar, impressionar e, até certo ponto, chocar. Sim, chocar, algo que a maior parte da filmografia de Haneke se encarrega de realizar de maneira coerente, no geral. Boa parte dessa sensação é ocasionada pela rudeza e brutalidade das situações, exigindo elas violência explícita ou implícita. Além disso, colabora para o choque o pessimismo do cineasta, que possui uma visão cínica dos valores do mundo – especialmente dos europeus. É adequado afirmar que Haneke é um sujeito de mal com a vida.

Tornando ao cinismo… Logo na primeira cena após os créditos iniciais, o diretor mostra seus protagonistas em meio a uma plateia à espera dos primeiros instantes de um espetáculo artístico. Quando este se inicia, todos passam a mirar fixamente o que ocorre no palco. Pronto, acaba de ser construído um espelho no qual o público do filme se vê refletido na plateia do teatro, e vice-versa. Haneke aponta um dedo em nossas caras e nos afirma o quanto estamos propensos às mesmas pequenas alegrias e imensuráveis angústias a que suas personagens serão submetidas ao longo da narrativa. E o fato de Georges e Anne parecerem tão deslocados entre tantos outros na plateia apenas prova que eles são apenas o recorte de um todo maltratado pelas agruras das circunstâncias e dos sentimentos.

imageAinda com relação a essa cena, Haneke nos oferece os primeiros vislumbres de sua séria brincadeira com as câmeras; a utilização de um longo plano fixo evidenciada aqui se tornará corriqueira no decorrer da película. Engana-se, contudo, quem imagina que a decisão se trata de um experimento. Na verdade, essa é uma característica corrente na filmografia do austríaco – os contundentes Violência Gratuita (no qual o recurso proporciona uma experiência agonizante ao espectador, de vido a sua seca crueldade) e Caché (nessa produção, a falta de movimento nas câmeras simula o efeito de uma filmadora de vigilância, em sua maior parte) se valem da técnica para atingir seus objetivos na qualidade de estudo de sociedade. O uso reduzido de closes e travellings contribuem para a diminuição de qualquer subjetividade, propiciando ao público uma visão objetiva e analítica dos eventos. E tudo isso também sucede em Amor.

Outro indício desse tratamento objetivo das personagens se encontra mesmo no nome delas: Anne e Georges costumam marcar presença em outras obras do cineasta, e até como protagonistas, como nos já citados Caché e Violência Gratuita (Anna e Georg na versão alemã, Ann e George na versão estadunidense). Claro, são atores diferentes, pessoas diferentes em cada filme, mas é um modo razoável de dizer que qualquer Anne e Georges (Ana e Jorge, talvez?) pode sofrer dos dissabores da vida. Qualquer um pode. Todos somos Annes e Georges.

É possível, entretanto, que em Amor o público enxergue o filme mais sentimental de Haneke. Há verdade aí. Ora, numa obra que trata de um sentimento tão forte e confuso, não abordar a questão por um viés profundamente mais intimista que seus trabalos anteriores soaria grosseiro. Assim, lágrimas, sonhos e devaneios tornam-se mais frequentes no roteiro.

imageÀ medida que a saúde física, mental e emocional do casal fica mais delicada, isso se reflete na arte tão louvada por eles: concertos de piano se transformam na enervante repetição de uma cantiga; os quadros nas paredes já não combinam com a atmosfera do ambiente; e a sabedoria adquirida com os livros da estante parece ser deixada de lado. Palmas, inclusive, para a precisa decoração de set de Susanne Haneke e Sophie Reynaud. As duas estabeleceram o local perfeito para uma história tão minimalista; e não só trataram de decorar um apartamento, pois o cenário influi de fato no fluxo narrativo, uma vez que os tais quadros e livros e as inúmeras fotografias nos fornecem uma noção de como a juventude foi importante para o casal, e de como o tempo tratará de destruí-la. E com ela, o amor também.

O embate juventude-velhice, de mais a mais, é constituinte indispensável da trama. Há uma cena em que Alexandre (Alexandre Tharaud), renomado pianista e pupilo de Anne, faz uma visita ao casal. Esperando encontrar sua mentora bem disposta e esbanjando saúde, o rapaz se surpreende ao vê-la numa cadeira de rodas, e o fato parece aturdi-lo, como se a senilidade fosse contagiosa. Em outro momento, a filha dos idosos, Eva (Isabelle Huppert), fala à mãe – imóvel – sobre sua agitada vida fora do país, e percebe-se o descompasso entre a forçosamente estática velhice desta e o jovial dinamismo daquela.

Por fim, é mister salientar que boa parte da paulada no estômago que este filme representa se deve às assombrosas interpretações de Trintignant e Riva. O primeiro, encarnando o tipo ranzinza, deixa claro ser sua personagem algo muito mais complexo – note-se que o amor de Georges por sua esposa é cada vez mais negligenciado pela condição dela. A outra faz a doença de Anne, em especial nos estágios mais avançados, ser aflitiva e tocante – para quem já passou por tal dilema na família, a experiência pode ser aterrorizante.

Dos cinco Oscars a que concorre, é quase certo que o longa fature a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro. Mas nem esse prêmio, nem o Globo de Ouro de Melhor Filme em Língua Estrangeira, nem mesmo a honrosa Palma de Ouro em Cannes sintetizam o valor cinematográfico e social desta pérola de Michael Haneke.

Porque amar é padecer.

10/10

Amor (Amour, 2012)
Dirigido por: Michael Haneke.
Roteiro por: Michael Haneke.
Elenco: Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert, Alexandre Tharaud, William Shimell e Ramón Agirre.